1. Introdução
O Brasil é um país com uma história rica e plural. Sua formação social é marcada pela confluência de diferentes povos, culturas e tradições, o que se reflete, de modo geral, em muitas de suas expressões midiáticas. A televisão brasileira, por exemplo, consolidou-se ao longo das décadas como um espaço de entretenimento e também de produção de narrativas sobre a identidade nacional. Nesse contexto, O Maior Brasileiro de Todos os Tempos – exibido pelo SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) em 2012 – surge como um caso exemplar de como a TV pode se debruçar sobre a história, projetando um olhar sobre as personalidades consideradas relevantes para a formação, construção e perpetuação do imaginário social brasileiro.
Inicialmente baseado no formato do programa britânico 100 Greatest Britons, da emissora BBC, o projeto O Maior Brasileiro de Todos os Tempos tinha como premissa eleger aquela figura histórica, política, artística, religiosa ou cultural que o público brasileiro julgasse ter deixado o maior legado para o país. Esse “maior brasileiro” seria o resultado de sucessivas votações populares, realizadas pela internet, e por votações intermediárias que envolveriam tanto especialistas quanto a própria audiência geral.
A proposta se revela audaciosa e ambígua. De um lado, havia a intenção de criar um debate público sobre a relevância de cada indicado e, de certa forma, promover uma celebração patriótica dos grandes nomes que marcaram a história e a cultura brasileiras. De outro, emergiam diversos questionamentos: Quais critérios são utilizados para definir quem merece estar nessa lista? Como comparar as diferentes áreas de atuação das personalidades? O público votante teria informações suficientes para fazer um julgamento ponderado, ou votaria motivado por paixões momentâneas e visibilidade midiática?
Essas questões foram tornando-se cada vez mais centrais durante a exibição do programa. A iniciativa do SBT atraiu críticas, elogios e curiosidade, além de mover grandes discussões nas redes sociais e na imprensa. Em muitas ocasiões, o programa levantou debates sobre a história do país, sobre os ideais do brasileiro e sobre o papel da mídia na formação de narrativas. Não é surpresa que, diante de um tema tão sensível, tenham emergido polêmicas, especialmente acerca de personalidades cujas trajetórias são ainda hoje alvo de interpretações divergentes.
É importante destacar que o programa se desenvolveu em um período no qual a participação online já tinha forte peso e engajamento no Brasil. Em 2012, as redes sociais, como Facebook e Twitter, estavam em franca expansão no país, de modo que a votação online oferecida pelo SBT pôde atingir um volume significativo de interações. As campanhas organizadas por fãs ou simpatizantes de determinadas personalidades evidenciam, por exemplo, a força que as torcidas virtuais podem alcançar quando decidem mobilizar-se. Nesse sentido, O Maior Brasileiro de Todos os Tempos também é um estudo de caso relevante para se compreender o comportamento dos públicos televisivos na era digital.
Além disso, a escolha de Carlos Nascimento como apresentador – um jornalista respeitado e com vasta experiência em noticiários – contribuiu para atribuir uma aparência de sobriedade e seriedade ao concurso. Não se tratava, portanto, de um simples programa de variedades ou entretenimento vazio; havia um esforço do SBT em formatar o conteúdo de modo a apresentar um produto televisivo que unisse “informação” e “competição” num único pacote.
A dinâmica do programa se deu ao longo de doze edições, exibidas semanalmente. Em cada uma delas, era feita uma reordenação ou um aprofundamento nos perfis dos indicados, culminando numa redução progressiva do número de concorrentes até chegar ao momento da grande final, em 3 de outubro de 2012. Essa finalíssima contou com a presença de três nomes célebres: Chico Xavier, Santos Dumont e Princesa Isabel. A vitória de Chico Xavier, com 71,4% dos votos, foi cercada de grande comoção e, ao mesmo tempo, de controvérsias, sobretudo por se tratar de uma figura ligada à religiosidade – mais especificamente, ao espiritismo kardecista – e cuja imagem gerava (e ainda gera) reações diversas na sociedade brasileira.
O objetivo deste artigo é, portanto, empreender uma análise minuciosa de todo esse processo, desde as raízes históricas que inspiraram o SBT a produzir o programa até as consequências que essa iniciativa gerou na memória coletiva, na grade televisiva do canal e na forma como o público passou a enxergar a relevância histórica de determinadas personalidades. Para atingir tal propósito, serão exploradas tanto fontes primárias (como os próprios episódios do programa e materiais oficiais do SBT) quanto fontes secundárias (entrevistas, críticas jornalísticas, depoimentos de espectadores e análises acadêmicas sobre o fenômeno). Ainda, reflexões teóricas sobre a construção da figura do herói nacional, sobre o discurso televisivo e sobre o poder da mídia no processo de mediatização da história serão tecidas ao longo do texto, procurando abranger o máximo de nuances possível.
Em termos de linguagem, o artigo busca mesclar um estilo acadêmico, voltado à profundidade e análise crítica, com elementos de divulgação para o grande público. Assim, esperamos tornar este extenso conteúdo acessível tanto a pesquisadores interessados em mídia e história quanto a leitores curiosos acerca de como o SBT conduziu uma das iniciativas mais comentadas do ano de 2012 na televisão brasileira. Embora os trechos iniciais do presente texto sirvam como uma recapitulação do que foi o programa, progressivamente mergulharemos em discussões acerca das implicações e dos significados mais profundos que O Maior Brasileiro de Todos os Tempos carrega.
Nosso percurso argumentativo busca contemplar:
- A genealogia do programa: como surgiu a ideia no Brasil e como se relaciona a outras produções internacionais;
- A dinâmica interna do programa, com destaque para a forma de apresentação, votação e seleção dos concorrentes;
- A recepção do público e da crítica, avaliando não apenas dados de audiência, mas também questões envolvendo redes sociais e a formação de fandoms;
- As questões políticas e ideológicas suscitadas pela escolha dos indicados, dada a polarização política que já existia – ainda que em menor grau do que em anos posteriores – no cenário nacional;
- As implicações e debates sobre o culto à personalidade, o revisionismo histórico, as tensões entre cultura de massa e erudição, e a influência da teledifusão no estabelecimento de “quem é” ou “quem não é” relevante para a história de um país.
Ao final, traçaremos considerações acerca do legado cultural do programa, da sua curta sobrevida no que diz respeito a novos projetos inspirados no mesmo molde (como “A Maior Música Brasileira de Todos os Tempos” e “O Maior Time de Futebol Brasileiro de Todos os Tempos”) e das reverberações que permanecem no imaginário popular sobre a ideia de quem seria, afinal, “o maior brasileiro de todos os tempos”.
Com isso, esperamos oferecer ao leitor um material rico em detalhes e reflexões, capaz de transcender a mera descrição de fatos e oferecer uma interpretação abrangente da dimensão social, midiática e simbólica de O Maior Brasileiro de Todos os Tempos.
2. Antecedentes Históricos e a Influência de Programas Semelhantes
Para compreender em profundidade o surgimento de O Maior Brasileiro de Todos os Tempos no SBT, é fundamental retroceder alguns anos e observar o cenário mundial de programas televisivos que, de alguma forma, buscaram ranquear grandes personalidades nacionais. A referência mais próxima, reconhecida pelo próprio SBT, é o programa 100 Greatest Britons, produzido pela BBC em 2002, no Reino Unido.
A proposta da BBC já havia sido inspirada em sondagens de opinião e em programas de rádio do passado, nos quais a população era convidada a opinar sobre quem considerava mais influente, quer fosse no campo político, cultural ou científico. O sucesso de 100 Greatest Britons foi estrondoso: o público britânico mobilizou-se, votando massivamente, e criou discussões apaixonadas sobre a importância de figuras como Winston Churchill, Charles Darwin, William Shakespeare, Isaac Newton e tantos outros ícones ingleses.
O formato mostrou-se tão promissor que, posteriormente, diversos países adaptaram a ideia, produzindo suas próprias versões: Le Plus Grand Français (França), El Español de la Historia (Espanha), Der größte Deutsche (Alemanha) e assim por diante. Cada nação, a seu modo, selecionava cem nomes, abria uma votação popular e, ao final, apresentava um programa televisivo que escalonava os mais votados até chegar na figura considerada a mais significativa para o país. Esse movimento global evidenciava não apenas um interesse midiático em listas e rankings, mas também a preocupação das emissoras em explorar o sentimento de orgulho patriótico e identificação cultural de seus telespectadores.
No Brasil, antes mesmo de O Maior Brasileiro de Todos os Tempos, a ideia de eleger grandes personalidades surgiu esporadicamente em diferentes veículos de comunicação. Revistas, jornais e sites promoviam enquetes populares para saber quem seria “o maior brasileiro vivo”, “o maior cantor do país”, “o maior esportista” e assim por diante. Entretanto, essas iniciativas raramente atingiam a magnitude e a repercussão que um grande programa de TV, em rede nacional, pode proporcionar.
Vale pontuar que a cultura televisiva brasileira já contemplava a exaltação de ídolos em diversos formatos. Desde programas de auditório que premiavam cantores de sucesso até talk shows que celebravam a trajetória de atores e atrizes, a tevê sempre foi uma plataforma de construção e solidificação de celebridades. Nesse sentido, quando Silvio Santos manifesta, em 2004, a vontade de fazer um programa como O Maior Brasileiro de Todos os Tempos, ele se ancora em uma longa tradição da TV nacional de endeusamento de figuras populares.
Entretanto, a proposta de ranquear personalidades importantes por meio do voto do público adicionava uma nova camada de complexidade. Não era apenas celebrar um talento em particular (como no caso de cantores ou atores), mas sim compará-lo com nomes de campos completamente distintos: esportistas, políticos, cientistas, ativistas, religiosos, escritores, empresários, inventores, etc. Esse formato abria espaço para controvérsias e polêmicas mais profundas, pois, afinal, como equiparar a relevância histórica de um cientista que descobriu a causa de uma doença com a de um jogador de futebol que trouxe alegrias esportivas a toda uma nação?
Outro ponto interessante é o timing do lançamento do programa em 2012, poucos anos após o grande “boom” das redes sociais no Brasil. Em 2010, por exemplo, plataformas como o Twitter já estavam ganhando muitos adeptos, e o Facebook começava a substituir o Orkut como a principal rede social do país. Essa convergência de forças fez com que a mobilização popular na internet ocorresse em escala inédita no contexto nacional. Pessoas que admiravam determinada personalidade podiam organizar “mutirões” de voto, multiplicando links e convocando amigos a participar. Assim, o formato, que dependia essencialmente de votação popular, encontrava no ambiente online brasileiro do início da década de 2010 um terreno fértil para altos índices de engajamento.
Portanto, o sucesso inicial de O Maior Brasileiro de Todos os Tempos não pode ser dissociado desse cenário histórico e midiático mais amplo. A inspiração vinda do exterior, somada às particularidades do público brasileiro – que historicamente adora votar e se engajar em votações de reality shows, competições musicais e enquetes diversas – formou a base sobre a qual o SBT procurou erguer seu programa. Embora tenha demorado alguns anos para efetivar-se (de 2004 até 2012), quando enfim saiu do papel, a produção contou com elementos que favoreciam sua aceitação: uma emissora popular, uma metodologia de votação ampla (online e por telefone), um apresentador respeitado e a chancela de um formato consagrado pela BBC.
Nos capítulos que se seguem, serão explicadas em mais detalhes essas conexões internacionais, assim como as peculiaridades do projeto brasileiro, diferenciando-o das edições em outros países. Afinal, os cenários sociopolíticos, as figuras históricas e a forma como o público percebe seus heróis nacionais variam muito de um lugar para outro. E, no caso brasileiro, essa diversidade se revela ainda mais intensa, dado o tamanho continental do país e a multiplicidade cultural existente em cada região.
3. O Projeto no SBT
3.1. Criação e Desenvolvimento da Ideia
A ideia de produzir uma versão brasileira de 100 Greatest Britons surgiu, no SBT, por iniciativa de seu proprietário e fundador, o apresentador Silvio Santos. De acordo com registros e reportagens da época, Silvio teria se inspirado diretamente no sucesso da fórmula internacional, pois via ali uma oportunidade de unir entretenimento e patriotismo em um mesmo produto. Em 2004, ele cogitou colocar a ideia em prática, mas, por diversos motivos – entre eles, a ausência de patrocinadores dispostos a bancar o projeto e o receio de que o público não tivesse engajamento suficiente – a iniciativa foi deixada de lado.
Nos anos seguintes, o SBT focou-se em outros formatos de programas, como reality shows (por exemplo, Casa dos Artistas), games e produções de auditório. Contudo, a semente de O Maior Brasileiro de Todos os Tempos continuou germinando nos bastidores. De tempos em tempos, a possibilidade era levantada em reuniões internas, especialmente quando surgiam boatos de que outras emissoras poderiam lançar iniciativas similares.
Finalmente, no final de 2011, a emissora começou a veicular pequenos anúncios de “chamamento” ao público para participar de uma votação que elegeria o maior brasileiro. Os spots eram breves, mas instigavam a curiosidade, sempre terminando com convites para que o telespectador acessasse o site do SBT e registrasse o seu voto. A ideia era atingir um milhão de votos, número exigido pela BBC para validar a franquia. Esse processo ocorreu de forma não muito organizada, pois o SBT testava a receptividade das pessoas ao projeto. Ainda assim, foi suficiente para que, em meados de abril de 2012, a meta fosse alcançada.
Esse primeiro passo – chegar a um milhão de votos – foi fundamental para dar partida oficial ao programa. A emissora então entrou em negociações mais concretas com a BBC, acertando detalhes de licenciamento e produção. Silvio Santos, que ainda figurava entre os mais votados, decidiu voluntariamente retirar-se da disputa para evitar conflito de interesses, já que, em última análise, o SBT pertencia a ele.
3.2. A Colaboração com a BBC
A BBC, detentora do formato original, envolveu-se no projeto de maneira consultiva, orientando o SBT sobre a estrutura das votações, a formatação dos episódios e a realização dos rankings. Assim como ocorrera em outros países, a emissora britânica oferecia um “guia” para que os produtores locais entendessem como conduzir as etapas do programa, que iam desde a nomeação inicial até a condução das entrevistas e das homenagens póstumas, quando necessário.
Essa colaboração, embora discreta, foi um diferencial importante para garantir que O Maior Brasileiro de Todos os Tempos tivesse uma apresentação de qualidade, condizente com o padrão que tornou o formato conhecido mundialmente. A BBC recomendou, por exemplo, que se produzissem documentários curtos ou VTs (videotapes) com depoimentos, imagens de arquivo e narrações que contextualizassem as vidas e obras dos indicados. Dessa forma, o público brasileiro teria acesso não só aos nomes, mas também aos principais feitos que os tornavam relevantes.
O envolvimento da BBC não significou um controle editorial do programa. Ainda que a rede britânica pudesse sugerir caminhos, o SBT tinha liberdade para adaptar o formato às particularidades brasileiras, inclusive no que se refere às polêmicas regionais, políticas e religiosas inerentes à nossa realidade. O resultado disso é que, embora o esqueleto de O Maior Brasileiro de Todos os Tempos seja muito parecido com o do 100 Greatest Britons, o conteúdo é, em grande medida, fruto do que o público brasileiro quis eleger.
4. Formato do Programa
4.1. Conceito Original – 100 Greatest Britons
Para melhor compreensão, vale retomar como funcionava o programa original: 100 Greatest Britons começou com uma votação ampla, em que qualquer cidadão do Reino Unido podia indicar seu “britânico favorito”. Fechado o período de indicações, computaram-se os resultados e elaborou-se uma lista dos 100 nomes mais votados. Em seguida, a BBC passou a produzir episódios que apresentavam os perfis dos indicados, geralmente em blocos decrescentes, do 100º até o 1º lugar. Em cada episódio, eram exibidos documentários, debates e participações de convidados que defendiam ou explicavam a relevância daquele personagem.
A grande atração do formato estava tanto na curiosidade de descobrir qual seria a posição de cada figura histórica quanto nas discussões que emergiam. As pessoas comparavam realizadores de eras diferentes, de carreiras distintas e, às vezes, polêmicos em termos ideológicos. Por fim, anunciava-se o campeão ou campeã – no caso britânico, Winston Churchill levou a melhor, sendo eleito “o maior britânico de todos os tempos”.
4.2. Adaptação para a Realidade Brasileira
Em sua adaptação para o Brasil, o SBT seguiu a mesma lógica geral, mas incluiu particularidades. Por exemplo, abriu-se a votação meses antes da estreia oficial, convocando o público para indicar qualquer pessoa que considerasse digna do título de “maior brasileiro”. Houve poucas restrições, mas duas eram claras: a personalidade deveria ter nascido no Brasil (exceto casos específicos, como o de Ruy Barbosa, nascido durante o Império do Brasil, mas que obviamente é considerado brasileiro) ou ter se naturalizado brasileira, e não poderia ser uma personalidade fictícia.
A seguir, o programa consolidou os votos e formou uma lista inicial de 100 nomes, divulgada em blocos no decorrer das primeiras semanas de exibição. A apresentação desses cem brasileiros foi feita de forma decrescente, do 100º lugar até o 13º lugar, o que gerou expectativa sobre quem figuraria no Top 10.
Uma diferença em relação ao modelo britânico foi a forma como se conduziram as “eliminatórias” para chegar ao Top 12 e, depois, ao Top 3. Em vez de simplesmente exibir os perfis em ordem, o programa brasileiro promoveu rodadas de debates entre duplas. Cada dupla era formada por personalidades sorteadas ou colocadas em confronto direto, e o público votava para decidir quem avançava. Isso conferiu à atração um caráter mais “competitivo”, assemelhando-se a um reality show. A cada semana, um embate era resolvido, e a pessoa com mais votos seguia no páreo.
4.3. A Metodologia de Votação
A votação foi essencialmente popular, realizada pela internet e por telefone. Tal decisão abriu a possibilidade de campanhas massivas em redes sociais. Torcidas organizadas, grupos religiosos, coletivos de fãs e até partidos políticos mobilizaram-se para favorecer ou prejudicar determinados concorrentes, criando uma atmosfera típica de show de calouros, mas com ares de relevância histórica.
Por um lado, essa abertura é elogiada por aproximar a sociedade do processo, tornando-o democrático e participativo. Por outro lado, críticos argumentam que isso distorce o resultado, pois, muitas vezes, não vence a personalidade mais importante na visão objetiva da história, mas sim aquela que tem o maior “exército” de apoiadores disponíveis para votar durante o período em que o programa estava no ar. De todo modo, essa era exatamente a proposta do SBT: “eleger aquele que fez mais pela nação, que se destacou pelo seu legado à sociedade”, sob a ótica da percepção popular.
5. Apresentação e Edição do Programa
5.1. Carlos Nascimento – O Apresentador
Escolher Carlos Nascimento como apresentador foi uma decisão estratégica do SBT. Jornalista experiente, Carlos Nascimento reunia credibilidade e sobriedade, características consideradas adequadas para conduzir um programa que – em teoria – tinha como proposta eleger a maior figura histórica do país. Diferentemente de um animador de auditório, como Celso Portiolli ou Ratinho, Carlos Nascimento funcionava como uma “âncora” que dava uma aparência de “telejornal” ao projeto. Dessa forma, pretendia-se contrabalançar a estrutura de competição de reality show com um tom mais informativo.
Para isso, Carlos Nascimento investia em discursos e comentários que contextualizavam os concorrentes, apresentando dados ou curiosidades sobre a vida de cada um. Por vezes, contava com apoio de pequenos documentários, que substituíam as tradicionais “reportagens” dos telejornais. Mesmo assim, havia espaço para suspense e para a dramaturgia típica de um reality, especialmente nos momentos de eliminação, em que se anunciava, ao vivo, quem avançava e quem ficava para trás.
5.2. Estrutura de Cada Episódio
O programa foi ao ar, em sua primeira edição, no dia 11 de julho de 2012, com cerca de 60 minutos de duração. A sequência dos episódios seguiu uma lógica de apresentação progressiva dos indicados, do 100º ao 13º lugar, intercalada por confrontos eliminatórios entre pares. O público era convidado a acompanhar as minibiografias, as justificativas para cada escolha e as reações dos “embaixadores”, que eram convidados – frequentemente jornalistas, artistas ou especialistas – para defender determinada personalidade.
A cenografia do programa lembrava um grande auditório de debates, com telas de LED exibindo imagens históricas e gráficos de votação, além de uma bancada em que o apresentador comandava as discussões. O clima era relativamente sóbrio, mas não chegava a ser austero ou acadêmico. Afinal, o SBT não queria perder sua veia popular.
5.3. Recursos Cênicos, Audiovisuais e Engajamento
Para manter a atenção do público, o programa usava uma série de recursos midiáticos. VTs de arquivo, fotos antigas, imagens de filmes, trechos de discursos e encenações dramatizadas entravam como apoio à fala do apresentador e dos defensores. A qualidade do acervo variava: enquanto alguns personagens famosos tinham vasto material disponível (caso de, por exemplo, Getúlio Vargas, Princesa Isabel ou Pelé), outros recebiam produções mais simples, baseadas em fotos e narrações.
A ideia, entretanto, era mais do que entreter: propunha-se instruir o telespectador sobre a biografia dos concorrentes, fazendo-o refletir sobre o impacto de cada um. Mesmo assim, críticos pontuaram que, em muitos casos, a abordagem ficou superficial, sem aprofundar questões controversas ou contradições históricas. Por exemplo, personalidades políticas que suscitam debates acalorados foram apresentadas com contornos muito resumidos, muitas vezes reforçando a visão mais consensual ou hegemônica de suas trajetórias.
O engajamento do público se fazia principalmente pela participação direta, via votação. O programa periodicamente anunciava números de telefone, site, redes sociais e hashtags, incentivando os espectadores a opinarem. Além disso, nas redes sociais, surgiam acalorados debates sobre quem merecia avançar ou por que determinado concorrente não deveria ser eleito. Esse “buzz” nas redes, por sua vez, realimentava a audiência televisiva, criando um ciclo virtuoso para o SBT.
6. Participantes e Posições
6.1. Os 100 Escolhidos
A lista dos 100 nomes que compuseram O Maior Brasileiro de Todos os Tempos ilustra bem a heterogeneidade de áreas, épocas e regiões de origem dos candidatos. Encontramos:
- Presidentes da República (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, etc.);
- Grandes vultos históricos do período imperial (Princesa Isabel, Dom Pedro II, Duque de Caxias);
- Ícones esportivos (Pelé, Ayrton Senna, Romário, Ronaldo Fenômeno, etc.);
- Artistas da música popular (Chico Buarque, Raul Seixas, Ivete Sangalo, etc.);
- Religiosos e ativistas (Chico Xavier, Irmã Dulce, Pe. Cícero, Zilda Arns, etc.);
- Escritores (Machado de Assis, Jorge Amado, Monteiro Lobato, etc.);
- Cientistas e inventores (Carlos Chagas, Santos Dumont, Vital Brazil, etc.);
- Personalidades midiáticas contemporâneas (Roberto Justus, Gugu Liberato, Luciano Huck, etc.);
- Entre muitos outros.
Essa ampla gama de indicações revelou muito sobre as múltiplas faces do imaginário nacional. Porém, também suscitou estranhamento quando certos nomes apareceram na lista dos 100 mais votados enquanto outros, considerados historicamente mais relevantes, ficaram de fora. Houve questionamentos, por exemplo, sobre a presença de figuras famosas mais pela grande exposição midiática do que por qualquer contribuição duradoura à sociedade.
6.2. Destaques entre os Indicados
Alguns nomes chamaram a atenção pela posição em que surgiram ou pela polêmica que levantaram:
Lampião: O famoso cangaceiro do Nordeste brasileiro figurou na 74ª posição. Para muitos, ele é um ícone da cultura nordestina e um símbolo de rebeldia contra as desigualdades sociais. Para outros, no entanto, foi um bandido violento. Sua presença na lista despertou discussões sobre moralidade e relativização histórica.
Tiririca: O humorista e político apareceu na 48ª colocação. Sua atuação como deputado federal dividia opiniões, mas sua popularidade no voto do público indicava como a fama televisiva e a imagem de “homem do povo” têm força em eleições abertas.
Marcos Pontes: O primeiro astronauta brasileiro, que também é engenheiro e militar, surgiu como um representante da ciência e da inovação, mas muito vinculado ao feito de ter ido ao espaço. Depois, ainda faria carreira política. Sua aparição na lista gerou certo estranhamento para quem esperava nomes mais tradicionais da ciência brasileira, como Cesar Lattes.
Paulo Freire: Educador reconhecido mundialmente, figurou na 55ª colocação, sendo considerado baixo por muitos de seus admiradores, que o viam como um dos maiores intelectuais do país.
Machado de Assis: O maior nome da literatura brasileira, muitas vezes colocado ao lado de gigantes mundiais, ficou apenas em 41º lugar, algo que gerou reações de surpresa e descontentamento em círculos acadêmicos e literários.
Esses exemplos servem para ilustrar como a composição dos 100 gerou um mosaico complexo, refletindo preferências que iam desde heróis populares a figuras intelectuais e científicas, sem esquecer celebridades da mídia.
6.3. Personalidades que Abriram Mão da Disputa
O caso mais notório de renúncia na competição foi o do próprio Silvio Santos. Como já mencionado, por ser o dono do SBT, ele optou por retirar-se para evitar acusações de conflito de interesses. Outro caso curioso envolveu personalidades que faleceram durante o processo de votação. A apresentadora Hebe Camargo, por exemplo, estava viva quando seu nome surgiu na lista, mas faleceu em 29 de setembro de 2012, pouco antes da reta final do programa. Houve, então, homenagens póstumas e manutenção de sua posição, pois o regulamento não impedia a presença de falecidos na lista.
7. As Eliminatórias e o Caminho até o Top 12
7.1. Rodadas e Debates
Após a divulgação dos 100 nomes, o programa iniciou as rodadas eliminatórias, nas quais personalidades eram colocadas em confronto direto: “Fulano vs. Beltrano”. Essas disputas eram apresentadas em blocos, e o público votava. Quem obtivesse o maior número de votos avançava.
Por vezes, a produção do SBT convidava “embaixadores” (jornalistas, historiadores, ou mesmo celebridades) para defender cada lado, apresentando argumentos sobre a relevância do indicado. Em algumas situações, o contraste era gritante, como no duelo entre Chico Xavier e Irmã Dulce – ambos figuras religiosas, mas de matizes muito diferentes; ou entre Ayrton Senna e Lula – um ídolo esportivo versus um líder político.
7.2. Critérios de Escolha e Justificativas
O programa se valia sobretudo do interesse popular e da força do entretenimento. Não havia, oficialmente, um critério acadêmico ou historiográfico para definir qual personalidade “deveria” ganhar, além do voto do telespectador. Ainda assim, os embates tentavam manter alguma coerência temática, colocando, quando possível, duas figuras com algo em comum (por exemplo, mesmo período histórico, mesmo campo de atuação ou alguma polêmica que os ligasse).
Para alguns críticos, essa sistemática empobrecera o debate, transformando a história em um “campeonato de popularidade”. Em contrapartida, defensores do programa argumentavam que o intuito nunca foi substituir os livros de história ou as discussões especializadas; tratava-se de entretenimento, que, incidentalmente, poderia despertar o interesse de parte do público em conhecer mais profundamente a história do Brasil.
8. A Grande Final
8.1. Os Três Finalistas
Depois das rodadas eliminatórias, chegaram à finalíssima, em 3 de outubro de 2012, três nomes:
- Chico Xavier: Médium espírita, filantropo e escritor.
- Alberto Santos Dumont: Inventor, pioneiro da aviação.
- Princesa Isabel: Filha do imperador Dom Pedro II, regente do Brasil em algumas ocasiões e responsável pela Lei Áurea.
Essa composição final foi marcada por forte simbolismo. Tínhamos, de um lado, uma figura religiosa muito popular, representante do espiritismo brasileiro; de outro, um herói da engenharia e da ciência, considerado por muitos como o “Pai da Aviação”; e, por fim, a Princesa Isabel, conhecida por ter assinado a Lei Áurea, pondo fim à escravidão formal no país, mas também alvo de críticas sobre o alcance real de suas ações.
8.2. O Resultado e as Percentuais de Voto
Quando o programa anunciou o vencedor, divulgou-se que Chico Xavier obtivera 71,4% dos votos, contra aproximadamente 16,7% para Santos Dumont e 11,9% para Princesa Isabel. A diferença foi bastante grande, o que indicou a força da mobilização dos espíritas e simpatizantes de Chico Xavier, que já era conhecido nacionalmente e considerado uma das maiores referências do espiritismo kardecista no Brasil.
Foi uma vitória que, de imediato, gerou muitas reações. Enquanto parte do público celebrava a escolha de um homem caridoso, que pregava a paz e a solidariedade, outros se questionavam se o simbolismo religioso não havia pesado mais que a análise histórica objetiva. Houve também quem visse a derrota de Santos Dumont como um reflexo da pouca valorização da ciência e tecnologia no país, ou o terceiro lugar de Princesa Isabel como um indicativo de que a monarquia e sua história não exerciam tanto fascínio popular a ponto de superar o carisma de Chico Xavier.
9. O Vencedor – Chico Xavier
9.1. Perfil Biográfico
Francisco de Paula Cândido, mais conhecido como Chico Xavier, nasceu em 2 de abril de 1910 em Pedro Leopoldo, Minas Gerais, e faleceu em 30 de junho de 2002, em Uberaba, também em Minas. Tornou-se nacionalmente famoso por seu trabalho como médium e por suas inúmeras obras psicografadas. De acordo com as crenças espíritas, Chico Xavier recebia mensagens de desencarnados, que posteriormente eram publicadas em livros. Sua atuação social, contudo, não se limitava ao fenômeno da psicografia: Chico envolveu-se em vários projetos de caridade, ajudando orfanatos, hospitais e famílias carentes.
Apesar de ser amado por uma legião de seguidores, que viam nele um exemplo de bondade e fraternidade, Chico Xavier também enfrentou ceticismo e críticas de setores laicos, que o acusavam de se aproveitar da fé popular ou de manipular as emoções dos enlutados. Ele sempre refutou tais críticas, afirmando que não lucrava com os livros que psicografava e destinava os direitos autorais a instituições de caridade.
9.2. Legado e Influência Cultural
O espiritismo já era uma corrente forte no Brasil, mesmo antes de Chico Xavier. Entretanto, ele foi o grande responsável por popularizar essa doutrina, tornando-a conhecida não apenas entre os adeptos, mas em toda a sociedade. Programas de televisão, reportagens em revistas e livros biográficos ajudaram a difundir sua imagem de humildade e devoção ao próximo.
Para além do campo religioso, Chico Xavier transformou-se em referência de comportamento moral e assistencial, influenciando políticas públicas e a criação de centros e hospitais. Na música, no cinema e na literatura, sua figura é constantemente referenciada. Seu impacto na cultura de massa inclui até mesmo produções cinematográficas sobre sua vida, lançadas após seu falecimento.
9.3. Análise das Razões de Sua Vitória
Como explicar que, em uma lista que incluía nomes como Santos Dumont, Pelé, Getúlio Vargas, Ayrton Senna e outros ícones, Chico Xavier terminasse eleito como o maior brasileiro de todos os tempos? Uma hipótese central reside na mobilização intensa de fiéis e simpatizantes do espiritismo, que viram no concurso uma oportunidade de homenagear publicamente a memória de seu líder maior. Movimentos religiosos costumam ser altamente organizados e motivados, e o de Chico Xavier não foi diferente. Milhares de pessoas acessaram o site do SBT, telefonaram e enviaram torpedos para garantir a vitória do médium.
Outra hipótese diz respeito à forte presença de Chico Xavier na mídia antes mesmo do programa. Ele já era, em vida, uma figura televisiva, aparecendo em programas de entrevistas e sendo objeto de reportagens especiais. Tal exposição, somada a sua reputação de homem bom e íntegro, facilitou a conexão emocional com o público, que muitas vezes o via como um “santo popular”. Em um concurso que também envolvia figuras controversas, Chico Xavier saía em vantagem por não ser associado a escândalos, crimes ou disputas políticas.
Por fim, há quem acredite que a vitória de Chico Xavier simboliza, de certa forma, um “anseio de espiritualidade e esperança” em meio às crises do Brasil contemporâneo. Sendo o espiritismo uma doutrina que fala em vida após a morte, reencarnação e caridade, ela pode ter tocado o coração de muitos brasileiros que buscavam respostas ou consolo. Nesse sentido, o concurso acabou servindo como um termômetro dos valores que parte da população preza e que, naquele momento, encontrou em Chico Xavier a personificação do “bem”.
10. Repercussão e Polêmicas
10.1. Críticas à Lista de Indicados
Desde os primeiros episódios, a seleção dos 100 nomes despertou polêmicas. Observou-se a ausência de intelectuais como Gilberto Freyre ou Sérgio Buarque de Holanda, e a presença de celebridades contemporâneas cuja relevância histórica ainda era incerta. Havia também questionamentos sobre a sub-representação de mulheres, de pessoas negras e de indígenas na lista, o que foi interpretado como reflexo de uma sociedade que ainda falha em reconhecer a diversidade de seus heróis.
A inclusão de políticos vivos, como Fernando Collor, José Serra e Dilma Rousseff, também gerou debates. Em meio ao calor eleitoral, pessoas vinculadas à cena política ativa podiam ter sua votação afetada pelos humores da população naquele momento, o que poderia não refletir com fidedignidade um legado histórico de longo prazo.
10.2. Questões Políticas, Religiosas e Ideológicas
O programa inevitavelmente transitou por campos políticos, dado o número de ex-presidentes e líderes partidários na lista. Cada aparição era analisada à luz do contexto político do momento. O embate entre Lula e Ayrton Senna, por exemplo, gerou fortes reações nas redes sociais, dividindo quem valorizava as conquistas esportivas de Senna e quem apostava no papel transformador da figura do ex-metalúrgico que chegou ao Planalto.
Além disso, a presença de líderes religiosos (Chico Xavier, Irmã Dulce, Edir Macedo, Valdemiro Santiago, etc.) também trouxe à tona discussões sobre o sincretismo religioso do Brasil, os limites da propaganda religiosa na TV e as tensões entre catolicismo, protestantismo evangélico e espiritismo kardecista. Esse lado religioso do programa foi um fator a mais de emoção, pois muitos fieis se sentiram pessoalmente convocados a defender sua crença diante de um público nacional.
10.3. Cobertura Midiática e Audiência
Em termos de audiência, O Maior Brasileiro de Todos os Tempos conquistou o segundo lugar no IBOPE em quase todas as edições, atrás apenas da Rede Globo. Considerando que se tratava de um programa novo e com formato “incomum” para a televisão brasileira, isso foi considerado um triunfo para o SBT. Nas redes sociais, frequentemente o programa aparecia entre os assuntos mais comentados do Twitter, principalmente nas noites de eliminação e na grande final.
A imprensa escrita, por sua vez, manteve certo ceticismo. Artigos e colunas apontavam a superficialidade das abordagens e o risco de se tratar assuntos históricos complexos de maneira simplista. Outros, no entanto, reconheciam o caráter educativo, especialmente para um público que, de outra forma, não teria contato algum com esses nomes da história e da cultura brasileiras.
11. Comparações com Outros Países e Outros Formatos
11.1. As Versões Internacionais do 100 Greatest Britons
Como já mencionado, 100 Greatest Britons foi reproduzido em vários países, cada qual oferecendo um recorte de como suas sociedades se veem. Na Alemanha, Der größte Deutsche elegeu Konrad Adenauer, primeiro chanceler da Alemanha Ocidental pós-Segunda Guerra Mundial. Na França, Le Plus Grand Français consagrou Charles de Gaulle. Na Espanha, El Español de la Historia celebrou Miguel de Cervantes. É curioso notar que, na maioria desses países, a escolha recaiu em figuras históricas do cenário político ou literário, representando uma visão de nação construída em torno de ideais republicanos ou monárquicos fortemente enraizados.
Já no Brasil, a vitória de Chico Xavier foi um ponto de diferença marcante, pois não se tratava de um político, cientista, escritor clássico ou fundador do Estado, mas de um líder religioso contemporâneo. Isso reforça a singularidade do contexto brasileiro e da importância da religiosidade e do misticismo para grande parte da população.
11.2. A Maior Música, Time, Invenção… e os Projetos Cancelados
Após o término de O Maior Brasileiro de Todos os Tempos, o SBT chegou a anunciar a intenção de produzir novas variações do formato, como A Maior Música Brasileira de Todos os Tempos, O Maior Time de Futebol Brasileiro de Todos os Tempos e A Maior Invenção de Todos os Tempos. Entretanto, nenhum deles chegou a se concretizar. A emissora alegou que não obtivera 1 milhão de votos nas fases iniciais de enquete ou que o interesse do público havia sido menor que o necessário para viabilizar financeiramente os programas.
É possível que a saturação de formatos de votação e as críticas à superficialidade de alguns desses concursos tenham contribuído para a não-realização dos projetos. Além disso, as prioridades do SBT podem ter mudado, focando-se em outros investimentos na grade de programação.
12. Legado e Significados
12.1. Educação, Memória Coletiva e Cultura de Massa
Um aspecto central de qualquer ranking histórico é seu potencial de influência na formação da memória coletiva. O programa, ao apresentar perfis biográficos, datas, imagens e curiosidades sobre cada indicado, realizou, de certo modo, um trabalho pedagógico. Ainda que não substitua estudos aprofundados, pode ter despertado o interesse de muitas pessoas para conhecer melhor determinados personagens da história brasileira.
A questão, contudo, é que a escolha final se deu por votação popular, o que reflete o gosto contemporâneo mais do que um consenso acadêmico. Isso não invalida a experiência, mas convida a refletir sobre como a cultura de massa e a mídia televisiva podem reescrever ou selecionar quais partes da história ganham maior destaque.
12.2. Celebração de Ídolos Versus Culto à Personalidade
Programas como O Maior Brasileiro de Todos os Tempos frequentemente são acusados de promover o “culto à personalidade”, ou seja, a exaltação excessiva de indivíduos em detrimento de processos sociais mais amplos. Ao apontar um “maior brasileiro”, corre-se o risco de simplificar a complexidade histórica, jogando para segundo plano as estruturas, instituições e coletivos que moldaram o país.
Ainda assim, há quem defenda que a sociedade precisa de referências positivas, de heróis que simbolizem virtudes e conquistas. Nesse sentido, a eleição de Chico Xavier pode ser vista como um resgate de valores como empatia, solidariedade e espiritualidade, contrastando com o individualismo da vida urbana moderna.
12.3. Reflexões sobre o Nacionalismo e o Sentimento de Pertencimento
O programa trabalhou, diretamente ou não, com a ideia de nacionalismo, ao propor que se escolhesse “o maior brasileiro” – aquele que representaria a nação em sua essência. Em países marcados por divisões regionais, étnicas e de classe, esse tipo de eleição pode tanto unificar quanto evidenciar as diferenças. O fato de muitos nomes estarem associados a um estado ou região específicos (por exemplo, Luiz Gonzaga, do Nordeste; Mário Quintana, do Rio Grande do Sul, etc.) revelou a dimensão geográfica dos votos.
Por outro lado, o concurso enfatizou que, apesar da diversidade, havia uma tentativa de encontrar um símbolo máximo, algo que pudesse falar a todos os brasileiros. Sob esse prisma, não é de se estranhar que, no final, um líder religioso, cujo discurso era de fraternidade universal, tenha prevalecido.
13. Desdobramentos Pós-Programa
13.1. Carreira dos Participantes
Em termos concretos, o programa não premiou financeiramente os indicados, já que muitos estavam mortos ou não competiam por um prêmio em dinheiro. Porém, alguns nomes vivos que figuraram na lista tiveram oportunidades de se destacar na mídia, concedendo entrevistas sobre sua participação ou sobre sua posição no ranking. Foi o caso, por exemplo, de Marcos Pontes, que reforçou sua imagem de “astro do espaço” e ampliou sua projeção para uma futura carreira política.
Alguns políticos ativos, como Fernando Collor e Dilma Rousseff, apenas apareceram na lista, mas não fizeram campanha efetiva para avançar nas eliminatórias, pois havia risco de isso ser interpretado como propaganda eleitoral extemporânea.
13.2. Mudanças na Programação do SBT
Depois do fim de O Maior Brasileiro de Todos os Tempos, o SBT não se empenhou em manter o mesmo formato ou criar spin-offs imediatos. A programação da emissora continuou a privilegiar atrações consolidadas, como o Programa Silvio Santos, o Domingo Legal, as novelas infantis, etc. Em certo sentido, o concurso foi uma experiência única, possivelmente com custo de produção elevado e que não encontrou um patrocinador forte o suficiente para sustentar versões subsequentes.
13.3. A Percepção Pública dos Grandes Personagens da História
Passado o furor midiático de 2012, a lista de 100 personalidades continuou sendo lembrada de forma esporádica em artigos na internet, discussões em fóruns e matérias de curiosidade. Entretanto, não houve grande esforço por parte de entidades educativas (como escolas ou universidades) em utilizar o programa como material didático. Isso talvez revele o quanto o formato televisivo ainda carece de aprofundamento para servir de fonte de estudo, embora possa ser um gatilho para o interesse inicial no assunto.
Para as novas gerações, que cresceram em meio a realities e votações online, O Maior Brasileiro de Todos os Tempos pode ter sido apenas mais um capítulo da televisão interativa. Contudo, do ponto de vista histórico, ele deixou um registro: a vitória de um líder religioso carismático, no início de uma década em que o Brasil ainda passava por transformações sociais importantes, às vésperas de grandes eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. É também um retrato de um país onde o sagrado e o profano muitas vezes se misturam, e onde a memória nacional é disputada por diferentes narrativas.
14. Conclusão
O Maior Brasileiro de Todos os Tempos foi um experimento televisivo que buscou unir entretenimento e história nacional numa só narrativa. Inspirado pelo formato britânico 100 Greatest Britons, o SBT adaptou a ideia à realidade brasileira, convidando o público a votar em personalidades de todos os campos e épocas, de presidentes da República a esportistas, de cantores a líderes religiosos, de inventores a apresentadores de TV. Ao final de uma série de eliminatórias, disputas e debates, Chico Xavier foi alçado ao posto de vencedor, superando figuras tão emblemáticas quanto Santos Dumont e Princesa Isabel.
Analisar esse programa é mergulhar nas complexidades do imaginário popular, dos mecanismos midiáticos de legitimação e do interesse que a sociedade brasileira tem pelos seus heróis. A presença de figuras controversas, a ausência de outras unanimemente respeitadas e a ordenação final despertaram discussões sobre democracia, cultura de massa, religiosidade, memória nacional e o papel que a TV ocupa na construção de uma narrativa identitária.
Olhando para trás, percebe-se que a proposta de eleger o “maior brasileiro” poderia facilmente recair em simplificações. A própria noção de “maior” é passível de múltiplas interpretações, e a votação popular, embora seja um método legítimo de participação, não garante uma análise cuidadosa de fatos históricos. Ainda assim, para além das limitações, O Maior Brasileiro de Todos os Tempos cumpriu a função de instigar o público a pensar sobre sua própria história e seus valores. Causou polêmica, gerou manchetes e se tornou um registro de como, em 2012, uma parcela do Brasil enxergava seus grandes personagens.
Na esfera religiosa, a eleição de Chico Xavier confirmou a força do espiritismo e o quanto a fé pode mobilizar grandes massas populares em favor de uma figura considerada santa ou exemplar. Do ponto de vista político, viu-se que nomes ainda vivos, como Fernando Henrique Cardoso e Lula, podiam suscitar paixões acaloradas, mas não superar o apelo emocional de um herói esportivo como Ayrton Senna ou a devoção suscitada por um líder espiritual. Do ângulo cultural, a lista evidenciou a diversidade da expressão artística brasileira, representada por músicos, escritores, atores e personalidades da TV.
Em suma, O Maior Brasileiro de Todos os Tempos constitui um case interessante para estudiosos de comunicação, história e sociologia, pois ilustra como a televisão brasileira se apropria de formatos internacionais e os reinterpreta sob uma ótica própria, pautada nas especificidades de nossa cultura e na força de nossos vínculos religiosos, políticos e midiáticos. Se, por um lado, alguns desejavam ver na finalíssima nomes como Machado de Assis ou Paulo Freire, por outro, não se pode negar que Chico Xavier, ao representar uma faceta compassiva, espiritual e solidária, também encarnou um conjunto de valores prezados por milhões de brasileiros.
15. Referências Bibliográficas e Fontes de Consulta
- BBC. (2002). 100 Greatest Britons. Londres: BBC One.
- Flávio Ricco e José Carlos. (2012). Artigos e matérias publicados em UOL Televisão sobre a produção do SBT.
- Goes, T. (2012). F5 – Folha de S.Paulo. Críticas ao programa O Maior Brasileiro de Todos os Tempos.
- Oliveira, F. (2012). Blog na TV, IG. Crítica ao primeiro episódio e análises de audiência.
- Portela, L. (2012). The Christian Post. Reportagens sobre as fases de votação e eliminatórias do programa.
- SBT. (2012). Materiais de divulgação oficiais de O Maior Brasileiro de Todos os Tempos.
- Diversos artigos em portais como UOL, G1, R7 e Terra noticiando a repercussão e audiência semanal do programa.
- Documentos e relatos disponíveis em fóruns e redes sociais como Facebook e Twitter, coletados ao longo do ano de 2012, mostrando a mobilização dos fãs das personalidades indicadas.
- Historiadores e acadêmicos brasileiros que se manifestaram sobre o programa em artigos e entrevistas, incluindo professores de universidades federais e estaduais que analisaram criticamente a relevância de concursos de popularidade para a formação da identidade nacional.